
Não sou muito de citar preferências do mundo auto-visual...apesar de ter uma lista significativa de possibilidades a quem possa interessar. Mas estar no momento em que me encontro de minha vida, sem empregada doméstica, após longos 11 anos de vida do Gabriel (meu mais velho) tendo uma profissional em casa de 2a a 6as feiras, tem-me feito refletir sobre muitas coisas, entre elas sobre a importância de banheiros limpos (sendo meramente egoísta). E esta não está no rol de importância do topo da lista.
Eu afirmei pra mim mesma que não precisaria de mais ninguém e que, junto com meu esposo, daríamos conta de tudoooooo. ALONES (sozinhos)! Não demoraram 60 dias para perceber que o físico pifa, a mente se esgota e a paciência para ouvir o que os filhos tem a dizer, para dobrar origamis, ou escrever neste blog se esvaíriam.
Calha do controle remoto estar na sua mão e você simplesmente clicar no curto nome 'MAID' e a partir de uma série e se tele-transportar para tantos momentos de sua vida e tantos significados ali postos e dados. Estou a 60 dias apenas com faxineira 2x por semana...e ela é uma graça, limpa super bem, apesar de exibir em suas redes sociais fotos sensuais em lingeries. Sim até a foto do WhatsApp dela é de lingerie. 35 anos, 2 filhos, um de 11 e outro de 2 anos, que fica com a mãe para ela trabalhar.
Não vou dizer que as imagens dela bem sensuais me incomodaram e ainda me incomodam. Vem um lado preconceituoso seu que diz, como que um capetinha te espetando: ' vc vai mesmo deixar seus filhos com essa moça que desce na boquinha da garrafa em bailes funk e que não tem nenhum pudor em deixar na sua foto de Whats uma imagem de si mesma de calcinha e sutiã?'
Sim, eu permaneço com ela. É minha segunda desde que M me deixou, após cinco longos anos de altos e baixos, como em qualquer 'casamento'. Porque a pessoa que entra em sua casa todos os dias e acompanha sua vida por tanto tempo te conhece e vc a conhece a ponto de sim, parecer um relacionamento íntimo...digo até pra lá de íntimo.
Esta moça, M, chegou em minha casa com 19 anos, engravidou e após sua licença maternidade retornou e permaneceu conosco por mais um bocado de tempo, fechando o ciclo de 5 anos. Aqui estudou um curso técnico de Administração no Senac, e já se encontra em outro local, em outra oportunidade de trabalho, tendo na carteira não mais 'empregada doméstica', mas 'técnica em administração'.
Oferecemos o curso, e ela não recusou. Agarrou a oportunidade com unhas e dentes e foi embora...alçou seu vôo. E como em um 'casamento', a gente se cuidou uma da outra. Ela desabafava...eu aconselhava como podia e como dava...eu chorava e desabafava...ela aconselhada e opinava como podia e como dava também. Foi uma amizade...por tantos dias, meses, anos.
Depois de sua partida veio a evangélica silenciosa e lenta...depois a do funk e da lingerie, que continua até o momento...mas já conheci a que foi entrevistada e nunca compareceu para começar, e a recente menina de 19 anos - chamada como a Lady Dy - coincidentemente com a mesma idade de M...mas esta já com 2 filhos, um de 3, que é criado pela vó e nem a considera mãe de fato, e outro de 1 ano e meio. Ela se diz crente da 'Deus é amor'...e afirma 'morar junto'...quando pergunto se é com o pai das crianças...a resposta é...'o meu 1o filho foi outro namorado...ele é o pai do caçula'.
Vejo bem na minha frente um Brasil surreal de crianças - sim porque quando ela passou por minha porta vi no seu rosto o semblante e corpo de uma criança de 19 anos - gerando outras crianças, sem qualquer informação consistente vindo de suas mães e ou de qualquer ciclo feminino ao seu redor. Ela afirmou literalmente que soube que esperava o primeiro filho já com 7 meses de gestação. Por sete meses sem menstruar, e tendo relações sexuais sem qualquer método contraceptivo, não foram suficientes como informação. A informação do corpo, do corpo que fala.

Esta série MAID me traz no exato ponto em que precisamos discutir tantas, mas tantas coisas. O quanto o feminino é forte e marca nossas vidas para sempre. A mulher que nos gerou, a mulher que nos tornamos, as mulheres que nos cercam. A personagem, e longe de mim querer 'dar spolier', faz sua metamorfose...transmuta o que possa ter acontecido com ela, fecha ciclos, vai além, sobe a montanha. E apenas para ver isso tudo acontecendo com ela, a série vale cada segundo ser assistida.
Ela, a moça de 20 e poucos anos, tem todo um sistema a massacrando, desde uma mãe bipolar, um pai abusivo e ausente, e um companheiro alcólatra e abusivo também, como que numa narrativa incessante do 'eu nao consigo sair dessa porra toda'. Mas ela sobe a montanha. Ela sai da porra toda.
Ela teve uma mãe, que mesmo nas adversidades de sua mente digamos 'não normal', foi mãe...de um jeito sofrido, doído e completamente torto...tosco.
Não muito diferente, porém diferente, vemos um Brasil cheinho de meninas que não são criadas por suas mães, porque estas saem para trabalhar e retornam no final do dia. Vemos a infância que se acelera em celulares e outros meios e companhias...e as escolas que são trocadas por vivências sexuais prematuras e que, somadas à desinformação e muita repressão, geram bebês...muitos bebês. Muitas saem de casa cedo demais, para morarem com seus pares, seus affairs. E um ciclo de repressão perpetua, muitas delas não tendo direito a sequer passar um baton, fazer uma unha.
Quando perguntei a Lady Dy se o marido a deixava trabalhar fora...ela disse...ele não gosta não, mas ele me conhece, não gosto de depender...e quando perguntei se sua mãe conversava sobre sexo com ela...ouço um 'nada, só reprimia e batia'...
As faxinas tem me ensinado por demais. Acredito que a que está limpando agora, e que precisa tanto expor suas curvas, foi reprimida e censurada e até quiçá proibida de exibir essas curvas. Atualmente ela se diz separada a 8 meses do pai de seus filhos, um caminhoneiro que ela diz nunca ter saído com ela: 'eu ficava em casa o tempo todo'...isso explica os vídeos nos bailes funks, as fotos exibindo as curvas. Talvez mais do que apenas o lado 'periguete', ela queira dizer ao mundo inteiro e de uma só vez 'estou livre! liberdadeeeee!' de fazer o que ela quer com o corpo dela. Abre parêntese (ela malha) fecha parêntese. Bárbaro no mar da repressão ela ter buscado sua auto-estima e em algum nível auto-cuidado. A seu modo e a seu tempo. Sem julgamentos.
Depois que M saiu aqui de casa já experimentei essa tríade - pai filho espírito santo...3 mulheres, e estou na segunda...enamorando-me dela cuidar de meu lar e meus pequenos, independente das nossas diferenças. Ela exibe tanto...eu me escondo atrás dessas teclas. Uma mulher sim, em algum grau, admirável. Já perdeu um irmão, para pneumonia, e possui uma mãe HIV soro-positiva. Seu sonho: construir sua casa no terreno que o ex-esposo quer deixar registrado no nome dos filhos. Achei o gesto de um pai que parece ser um bom pai.
Volto à série para apenas resgatar a sucessão de acontecimentos que acontecem quando temos ou não temos AMOR...uma base, um alicerce familiar, quando nos sabemos e nos sentimos amados por nossos pais desde pequeninos. E além...de todos os traumas que nos acontecem de pequenos e o quanto os carregamos conosco até a tenra idade. O quanto um processo terapêutico e de auto-conhecimento nos põe a lupa gigante sobre tudo isso, nossa história, nossa vida, nossas lutas, nossas perdas. A série mostra instituições que acolhem mulheres que sofrem violência doméstica, mostra rodas de mulheres dialogando sobre suas dores, mostra processos de transmutação...da dor em ação, em reação, em transformação, e vidas novas.
Eu tive uma infância e adolescência com meus pais, meus irmãos...não tive avós nem tios e primos por perto...infelizmente. E atualmente tento garantir que meus filhos tenham o que eu não pude ter infelizmente. Não vou dizer a vces que não me vejo na personagem, porque me vejo na personagem.

Principalmente no que se refere a essa relação do eterno cuidar de alguéns...principalmente quando esses alguéns são seus pais, seus irmãos...e quando por algum motivo não há saúde mental. Mas digamos...fui uma 'boa garota'...diferente da personagem, que engravida e não entra na faculdade, pude sim viver cada ciclo a seu tempo, e com o sabor que somente o tempo dá.
Formatura - casamento - tempo a dois - 1o filho - 2o filho - cá estamos nós...no desafio de conciliar carreira, casamento, filhos, ser filha, ser irmã, ser amiga, ser...aquela que, como a personagem, ama escrever e que, como ela que coleciona histórias das faxinas nas casas por onde andou, eu também coleciono as minhas histórias. Cada uma tem seu sabor todo especial.
Afinal quem nunca teve um diário, um caderno simples, ou qualquer folha em branco na sua frente, onde pudesse ter confessado uma boa história, uma calorosa declaração, ou um desabafo, que atire a primeira caneta.
A probabilidade de um lar com amor e paz gerar filhos adultos amorosos e pacificadores, é imensa...mas às vezes mesmo em lares onde isso nem sempre foi possível, podem surgir 'Alexs', ou seja, podem sair desses lares pessoas boas, pacíficas, bons corações. Mas é muito comum onde a desarmonia se instala, ela também se perpetuar...muitas vezes por gerações e gerações sucessivas...até que alguém rompa o ciclo.
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