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  • Foto do escritorSandra Tavares

Passagem e mudança

Atualizado: 10 de abr. de 2023


Recentemente mexi com mudança. Saí de um apartamento para outro e sabe como é mudança. A gente tem que preparar o espírito pro antes, durante e depois. Vivi uns 15 dias embalando objetos, vendo caixas, tomando pé do que a família possuía. E era como dizem os mineiros...trem pra caramba. Pude doar livros, brinquedos, rememorar coisas que estavam escondidas e o afeto imaterial que essas coisas transmitiam por suas memórias trazidas à tona. Mas pude também exercitar o desapego. Esse movimento particularmente é muito íntimo e pessoal. Os dias serviram pra despedir do lugar, da paisagem, das conexões afetivas.

Mas foi um tempo importante para pensar...meu Deus por que motivo acumulamos tanto? porque a nossa vida vai se complicando em tantos objetos, em tantos 'ter'es'. E faz você se lembrar de seu quarto de menina-moça, um quarto 2x2, com apenas a cama de solteira e um guarda-roupa minúsculo. Confesso que bateu até uma certa revolta...do tipo: como fui deixando acontecer isso, esse acúmulo todo de coisas? Sim porque te faz lembrar que tu era feliz com menos. E tu lembra dos minimalistas a mostrar que pode e dá certo viver com menos.

Particularmente sofri um pouco com a mudança porque sou um pessoa com dificuldades para lidar com mudanças em geral. E como já fucei essa gaveta na terapia. Admiro aqueles que mudam com a facilidade do camaleão. Sou resistente. E um motivo em particular me deixava saudosa. Minha mãe - já no plano celestial - havia estado nesse meu endereço nos últimos momentos que convivemos juntas, seja num café da tarde ou almoço. Eu amava receber ela. Me sentia A importantona. As memórias dela com os meninos, nos jogos de tabuleiro, na cozinha vendo a gente cozinhar, e elogiando o que meu esposo havia preparado no dia. Enfim...o último dia das mães juntas...memórias.

E ainda tive o seguinte pensamento e diálogo com ela...'mãe, eu vou mudar de casa mas faz o favor de aparecer pra me ver lá tá? E ainda pensei...será que ela vai me esquecer um dia? E embalava e chorava, e cantava e ouvia músicas...e embalava e ouvia as palestras do Dr Sérgio Felipe de Oliveira...enfim...montanha russa de sentimentos. Tudo pronto, conciliando com trabalho, com meus afazeres domésticos e com meus meninos, chega o dia D.

E tudo correu bem, a equipe contratada foi super profissional e a parte física da mudança em si ocorreu. Falta sempre o coração e a alma entenderem a mudança. Nossa gata na primeira noite no apê novo miou assustadoramente, como quem chorava a falta do outro lugar. Literalmente eu que não tenho mais bebês passei a noite entre deitar e levantar e colocar ela no colo dizendo baixinho...'essa é sua nova casa agora. tá na hora de dormir'. E assim foram os dias. Nevinha miando cada vez menos a cada noite, os objetos sendo desencaixotados, a casa tomando forma de novo. Mas, com uma nova rolpagem. Não tem como mudar e permanecer igual. Nada. Nem espaço nem pessoa/ser.

Os meninos que dormiam juntos passaram cada um a ter seu quarto pela primeira vez. O escritório foi parar na DCE. Os quadros que eram tantos nas paredes, diminuíram nas paredes do novo endereço. Houve um enxugamento. Houve um 'menos é mais'. Objetos antes escondidos em armários saíram. Novos olhares sobre espaços. Novos ângulos de visão. Mudar é mudar o enxergar, não tem jeito.

E chega a Páscoa = Pessach = Passagem. Data que me remete à tortinha básica que minha mãe fazia. Sempre econômica. Era mais repolho do que bacalhau. Mas era tão gostosa! Ela sempre dizia pra estarmos atentos ao verdadeiro sentido das coisas. Aí a gente junta os irmãos, o pai e eu tento do meu jeito repetir a receita. Ouvindo o Haroldo Dutra explicar o significado da Páscoa. Ouvindo músicas antigas católicas da época de minha caminhada apenas tendo ela, minha mãe, como meu baluarte. A fé dela sempre foi inspiradora. Tenho fé. Muita. Sei que tenho. Mas ela era a fé encarnada. Não titubeava e nem duvidava. Cria e ponto final. Até o fim.

Na hora da oração em família eu nem sabia o que falar. Estava sem graça e sem jeito. Mas lembrei da palavra passagem. Olhei pra meus filhos. Um passando da infância para a adolescência. Meu irmão e cunhada de casal para pais. Meu pai de homem para um sábio da terceira idade. E falei que mudamos o tempo todo...o tempo todo fazemos passagens. Cristo fez a sua passagem. O que ficou foi em essência o AMOR.

Já tem tempo que não pratico a caminhada católica apostólica romana. A catequista e orientadora de crisma ficou em algum lugar em meu peito. O Cristo sobre quem eu tanto falei em homilias de celebrações (sem padre) tempos atrás continua vivinho aqui dentro. Admiro demais esse ser. Mas a data faz refletir sobre que passagem é essa? Como estamos fazendo nossas passagens todas?

Recebo a mensagem de Dr Paulo Candiani falando sobre o Mestre Liu Pai Lin - do taichi que pratico - que, em um dia de páscoa do passado, comparou Jesus ao Sol. No taiji remetemos muito ao Sol enquanto fonte inesgotável. Mestre Pai Lin teria dito que tal como o sol Jesus é essa fonte, na qual podemos beber eternamente. Amei receber a mensagem. Ele é de fato um Sol. O Sol dos sóis.

A torta que fiz não ficou como a de minha mãe. Mas reunir todos valeu demais. Minha sobrinha cresce em graça e vida. Seguimos todos, enquanto egrégora familiar, afinados na luz desse Cristo. Quando ele foi crucificado, os pontos das mãos e pés são o que chamamos na acupuntura e medicina chinesa de os pontos do coração e rins. Nunca mais parei de ver essa conexão. E que a região de nosso ventre e umbigo, quando estávamos ligamos à nossa mãe, é como uma árvore, o tronco de uma árvore a nos conectar com nossa mãe.

O sábado de Aleluia e depois o domingo de páscoa nos faz crer nesse mistério. Em todos esses mistérios, no pural, nos mistérios de todas as vidas. A alquimia está dentro. Pro bem ou pro mal. Pra saúde ou pra doença. Pra harmonia ou desarmonia. Cabe a nós escolhermos quais passagens queremos fazer e como as queremos fazer.

Por isso deixo aqui esse texto, essa tecitura...esse tecido reflexivo...apenas comparando a passagem a esse nosso caminhar na vida, a esses percursos com montes, subidas, vales, descidas, pés molhados na água dos rios de lágrimas, ou secos e esturricados em chãos de pedregulhos. Estamos descalços. Esse é o percurso de nós em nós mesmos.

Não tem sandália confortável nem nada. Apenas dias de chuva, de sol, de vento e brisa, de frio e neve a congelar os dedinhos. Mas seguimos caminhantes. Aprendizes eternos. Por isso desejo a todos passagens eternas. Porque mudança é o que temos como certo hoje, amanhã e sempre! E que elas sejam atravessadas, as passagens, com a nossa trindade santa corpo-mente-espírito bem, harmonizada. Ensolarados de luz DIVINA!

Feliz passagens, pessach, páscoa!

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