
Tem situações de nossas vidas que queremos que mude logo. Tem situações que estão tão boas que não queremos que mude nunca. Assim é o ser humano e seu desejo. Queremos, queremos e queremos. Do material ao imaterial. Nossa mente é uma ótima servidora, mas uma péssima senhora Se damos corda pra nossa mente ela pula, como um macaco, de galho em galho, de pensamento em pensamento. Mas o que temos por certo? Já dizem os orientais que o que temos por certo é a impermanência.
Um dia temos todos ao nosso redor, vivos. Em outro, começamos a passar por perdas. Um dia, um emprego fantástico que alimenta nossa alma, em outro, um trabalho nada prazeroso mas que tem que ser feito para nosso sustento. Um dia tudo bom. No outra não tanto assim.
Como lidar com esse pêndulo? Como lidar com essa oscilação? Um dia todos unidos, no outro alguém briga e para de falar com você. Em um dia um casamento feliz, no outro uma separação. Um dia um filho carinhoso e no outro um rebelde. E essa lista não pára. Poderia ficar aqui por dias e dias.
A tal a impermanência de todas as coisas, e situações da vida me fizerem encarar mais uma nova mudança: de cidade. Fui de uma cidade urbana para uma cidade do interior do ES.
Sai do 'pé na areia' pro 'banho de floresta'. É que morava muito perto da praia e agora estou perto da Mata Atlântica. A mudança em si foi decidida para estar perto de nosso adolescente agora estudando no ensino médio. Imóvel escolhido, mudança feita, começam os ajustes. E como eles são relativamente rápidos, até. Os filhos matriculados nas escolas, começam suas rotinas e ingressam em aulas extras de jiu-jitsu, musculação e inglês. Eu e o esposo pilates. Além de caminhadas, pedaladas e um trabalho voluntário com Tai Chi no Museu Melo Leitão. Os trabalhos seguem seus fluxos, eu agora em home-office integral.
Eu sempre sinto as mudanças dentro de mim. E ao sair de um lugar e chegar em outro, preciso de um processo de imersão muito particular.

Como este novo lugar é a terra dos italianos, onde a primeira colônia se estabeleceu no Brasil, comecei a ouvir músicas italianas. Laura Pausini, Andrea Bocelli, Arisa, Mobrici são alguns nomes que comecei a escutar. E parece que esse processo me faz pensar nos antepassados desses italianos, nesse povo, no que enfrentaram até chegarem aos dias de hoje. Ou seja, em todas as mudanças e adaptações pelas quais passaram para vencerem suas dificuldades ao longo do tempo. Também manejaram a tal impermanência.
E todo ser humano é isso. Uma pessoa que tenta mudar a sua situação, quando não favorável, para uma melhor. É como uma luta, uma batalha travada fora e dentro também.
Nas caminhadas passo por senhores de seus 70 e alguns anos, segurando sua sacola de pão, a me dar 'bom dia'. Peles enrugadas e olhos claros, de chinelos. Mas todos sem distinção sorridentes, e bem amistosos a nos dar 'bom dia'.
Além da imersão na música italiana, busquei gente. Sou uma pessoa que gosta de se relacionar. Encontrar pessoas, conversar. E daí a ideia da prática de tai chi gratuito no Museu Melo Leitão, como forma de praticar em grupo, e ainda fazer conexões.
E o 1o dia foi domingo passado, quando apareceram - além de mim e meu esposo - duas mulheres irmãs - Maria e Marisa. Praticamos, conversamos um pouco e nos despedimos.
Tomei um banho de ervas, para limpar o campo das experiências passadas e me abrir para as experiências futuras, neste novo lugar. Até o momento não me sinto saudosa pelo vivido, mas aberta ao que tenho para viver.
Importante nesse movimento do fluxo da impermanência, dizem os orientais, a gente saber fluir entre o passado, tenha sido ele bom ou ruim, o presente com tudo o que ele nos traz e o futuro, com o que está por vir. Não adianta, dizem esses sábios, congelar no ontem ou no amanhã. Se a gente não permanece no aqui/agora, o sofrimento (se ele existir) acaba sendo ainda maior.
Guardo com carinho as memórias do 'pé na areia'. E me abro para a Mata Atlântica. Dia ou outro bate uma onda, sim bate. Um sentimento, não sei bem ao certo descrevê-lo. Um banzo. Mas aí espanto com caminhadas, música, tai chi e qi gong. Saber fluir é o segredo. Não congelar numa estação da vida, considerando que todas as estações têm a sua beleza. Só basta a gente perceber as flores pelo caminho.
Quando saímos do urbano pro interior temos uma oportunidade de simplificar ainda mais. Ao empacotar todos os objetos que tínhamos na casa anterior, vejo umas 15 caixas fora, no quintal, e que ainda nem foram abertas, com uma lona para a chuva não estragar as coisas. Mas até o momento não precisamos de nada naquelas caixas. O que revela o quanto acumulamos. Uma oportunidade ímpar de limpar, doar, fazer circular, deixar fluir.
E isso se refere a energia mesmo. Precisamos disso em nosso corpo. Precisamos em nosso lar.
Quando acumulamos, sejam objetos e bens materiais, sejam pensamentos em nossas mentes, sejam emoções em nossos corações, chega uma hora que é preciso limpar, abrir espaço, abandonar, ceder, deixar fluir, perdoar-se, perdoar.
Aqui permaneço nas práticas corporais chinesas, adentrando a meditação mais a fundo, e escutando o que diz meu coração, o que diz a natureza.
Sigo encantada com o clima, as flores, os velhinhos a dar 'bom dia', e a vida menos complicada e sem rush, engarrafamentos e finais de semana com agendas intermináveis de compromissos (aniversários, almoços, etc).
Sigo limpando e abrindo espaço. E que venha o novo!
Com diz uma música de Clark and John Carney - The Lost and Found, na série Modern Love, entre achados e perdidos.
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