
Certa vez, eu adolescente perguntei à minha mãe: 'Mãe, como que a Maria teve o menino Jesus e permaneceu virgem?'. Minha mãe taxativamente falou, sem titubear: 'Não se meta a entender o Mistério. Mistério é Mistério e não há o que questionar. Tem que crer'. Com essa resposta simples e profunda, ela foi me ensinando que a vida é cheinha de mistérios. Cabe a nós crer, sem titubear.
Este natal - 25.12.2021 - é o primeiro natal sem a minha mãe à mesa...em presença física. Mas meu irmão me apresentou essa imagem feita por ele dela...uma imagem simplesmente divina, pois o brilho nos olhos, o sorriso na face e a reverência com as mãos unidas são um símbolo magnífico do que fica: o mistério que foi a vida dela e o mistério do lugar onde ela se encontra agora. O aqui e o lá...o lá e o cá. Tudo mistério. A vida é um incomensurável mistério. A morte, que prefiro chamar de passagem, igualmente...mistério puro.
No mistério o lá e cá se convergem...tenho absoluta certeza. Tanto que dela recebi a mensagem sincera por meio misterioso que ela me amava incondicionalmente. O exato tempo de 1h21'48'' de uma palestra de Haroldo Dutra, que o celular simplesmente se pôs a tocar sozinho sem nenhum comando de voz. O invisível agindo no visível para trazer alento a meu coração partido. O vídeo fala que a intenção é tudo. Valores do céu: fraternidade, humildade, caridade, perdão, indulgência, misericórdia, acolhimento, gratidão a Deus, fidelidade a Deus.

Estou atravessando toda a fase difícil, doída da despedida física...dos acolhimentos de tantos queridos...telefonemas, abraços. De ver meus pequenos se despedindo da vovó deles...e isso foi muito mas muito difícil...depois de ter me entregue à cama, ao choro, à Dona Tristeza, que penso eu seja uma sombra bem escura e que nos quer mesmo acamados, entregues à própria sorte de um pensamento nada nobre, depois de sentir até febre, letargia e moleza nos músculos, de sentir uma dor no estômago imensa de grande e um aperto no peito que mais parecia um facão a me espetar, depois de toda lágrima, de descrença que ela se foi...achando que tudo era um pesadelo...até de revolta por ela ter nos deixado tão abruptamente, da saudade imensa de um colo de mãe, de um cheiro no cangote da mãe (que eu sempre dava nela), de uma voz de mãe me ligando ao telefone só pra ouvir minha voz e saber como eu tava,..enfim depois de toda a fase eu ouço o convite de meu esposo 'acho que está na hora de você dar uma caminhadinha...o que acha? vai ser bom pra você.'
Ao caminhar, parecia uma marcha fúnebre dentro de mim...não havia sentido em estar ali...andando...até que vi uns pássaros Piru-piru (Haema

topus palliatus)...eram dois...um adulto e um filhote...e vi que o pássaro maior estava a ensinar o menor a bicar nas pedras e pegar o alimento entre as rochas e ostras encrustadas. O pequenino imitava o maior...e me pus a pensar: 'Deve ser a mamãe dele a lhe ensinar a ser um pássaro, a comer...a seguir e caminhar'. Foi inevitável associar ali naquela cena, eu e minha mãe nas várias oportunidades de aprendizado com ela...a vendo cozinhar, fazer qualquer coisa...lá estava eu com meu olho 'bicudo' a olhar o que ela estava fazendo para aprender como se fazia seja lá o que fosse.

Os dias 2, 12 e 24 nunca mais serão esquecidos...todos no mês de dezembro. O dia de sua passagem, o dia que ela veio a este mundo pelo ventre de minha avó Teresa, e o dia do natal que ela comemorava sempre com o espírito voltado para o Altíssimo, para o Deus que se fez menino em nosso meio...para nos lembrar do verdadeiro sentido de estarmos aqui: AMAR.
Não me sai da cabeça a música do brasileiro Tomaz Lima, que canta mantras e música de Deus: "Viver de amor é dar, dar sem medida, sem recompensas receber, nesta vida". Taí ela...fazia sem esperar...amava por amar.
No dia 12 levamos um peixe pra casa que agora é da tia Joana. Antes de chegar me lembrava que ela sempre ficava com as crianças na sala os vendo comer...ela adorava ficar com eles...quase não se sentava à mesa conosco...só pra curtir os netinhos. E eu perguntei a Gabriel 'Filho, o que a vovó ficava a conversar com vces na sala nos almoços'...a resposta 'Ah mãe, ela sempre ficava quietinha vendo o desenho com a gente e perguntando o que o personagem fazia...ela se interessava pelo que a gente tava fazendo'...nunca sairá de minha memória ela jogando blayblayd (peão moderninho) com Gabriel pequeno...ou cartinhas de qq jogo...bastava explicar a regra e lá estava ela à mesa jogando com eles. Sempre fofa...sempre de pouca fala mas muito brilho nos olhos...ela tinha a criança verdadeira dentro de si. A criança dela, ela não deixou morrer nunca.

Eu não queria nem sair neste natal de casa. Mas meus irmãos e meu paizinho tão lindos organizaram tudo...eu cheguei apenas com algo simples...a boa intenção no coração...o mesmo coração partido. Nossa oração em família, sentir a presença dela em nosso meio...pensar na alegria que ela sentiria de nos ver todos reunidos...enfim...toda vez que ela encontrava os netinhos ela amava. Meu irmão me mostrou essa foto e foi emocionante ver o brilho nos olhos dela...o sorriso...a LUZ! Ela sempre foi misteriosa...silenciosa...de um esvaziamento das coisas mundanas para que pudesse permanecer só o Alto, o Nobre, o Deus, o Tao, o Vazio Celestial.
A noite de ontem foi singela...infelizmente sem ela fisicamente...mas ela dentro de cada um de nós, seus filhos, em nossos gestos, palavras, atitudes, nos netos, no meu pai tbm que foi seu companheiro de caminhada por anos como seu esposo. Ela está em nós, por ser quem ela é...luz pura. E se eu tiver que escrever pra ela eu escrevo apenas:

'Mãe, obrigada
Pelo ventre que me acolheu, pelos carinhos que fizeste na barriga
Pelo colo, pelo seio que me alimentou
Pelas noites velando minhas febres, meus dodóis
Por ser paciente e amorosa me vendo engatinhar, andar, falar, ler, escrever
Por me orientar na adolescência dos caminhos a se trilhar para o BEM
Obrigada mãe por me acordar no colegial sempre de um modo tão inesquecível: vc tocava meus pés como que fazendo uma massagem e dizendo em voz gostosa: 'tá na hora de acordar pra ir pra escola'
Por me explicar sempre sem pudor tudo, sobre corpo, sexo, homem, mulher
Por me ensinar de forma tão linda a me valorizar, na humildade
Por acolher o amor de minha vida como seu filho
Por estar comigo quando me tornei mãe, cuidando de meus resguardos
Por sempre fazer uma festa quando eu chegava de longe, como se eu fosse o ser mais nobre da face da terra
Obrigada por cada cafezinho passado, por cada carninha de panela, por cada beijo e abraço
Obrigada pelo seu cheiro, sua voz, ah sua voz...que voz gostosa de ouvir mãe...
Obrigada pelos sonhos...pois vez ou outra eu sonhava com vc e te ligava...
Obrigada pelas mãos quentinhas...vc tinha sempre uma temperatura...tão gostosa de tocar
Obrigada por abençoar meu casamento
Por ser sempre generosa com todos - não apenas com os de casa
Obrigada por me ensinar o amor, vivendo no amor e por amor
Obrigada por ser o meu mais lindo mistério em vida e agora por ser mistério em sua passagem
Pois nunca me esquecerei os mistérios da vida tendo descoberto com você
que mistério a gente não duvida nem titubeia: simplesmente crê!
Vc mãe, está em mim, na Joana e no Johelder...no Gabriel e no João, vc está na passarinha ensinando o filhote a comer nas pedras, você está nas várias mulheres e mães amorosas que me acolhem como minha sogra querida, Marieta, Tico, as tias de meu esposo que me adotam, as mulheres especiais do tai chi como Débora, Jen e Beatriz, as amigas Rô, Kelly, Ainhoa, Tata, Cássia, Eny...entre tantas outras que esquecerei de citar...
VOCÊ ESTÁ E É O FEMININO DO MUNDO MÃE...vc é como Gaya mãe, fecunda e profunda por isso e tudo o mais: EU TE AMO...HOJE SEMPRE UM POUCO MAIS QUE ONTEM...OBRIGADA!'
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