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  • Foto do escritorSandra Tavares

Justiça.


Os pulmões, segundo a medicina chinesa são a sede de nossa tristeza, assim como em seu aspecto mais nobre, é a sede de nosso senso de justiça. Toda mãe que tenha mais de um filho sabe muito bem o que seja o exercício desse senso de justiça, pois tem que conciliar a atenção, o afeto, e esse equilíbrio da balança no dia a dia. Conflitos acontecem entre seus filhos e ela tem que buscar ser justa. Pontuar o que pode e o que não pode acontecer com um filho em detrimento do outro...enfim...equilibrar os dois pratos da balança para que um filho não lhe aponte o dedo e lhe diga, "mas mãe, você está sendo injusta!".

Como filha agora digo que não vivi essa justiça. Sempre fui aquela que, desde quando pequenina, adolescente ou já adulta, não tive tanta atenção assim de minha mãe (do pai menos ainda), porque ela era, digamos, consumida pelas demandas de seus dois outros filhos - minha irmã caçula e meu irmão mais velho. Já ouvi a expressão de que o filho do meio é como o recheio do sanduíche, pressionado por todos os lados. O recheio até onde sabemos, de qualquer prato ou sobremesa, é algo nobre e bom. Mas o recheio ao qual me refiro aqui, sabendo o meu valor e a minha nobreza de alma, é que as pressões todas fazem com que esse 'recheio', ou com que esse filho/a do meio, torne-se digamos um pouco invisível.

Como diz o ditado...'quem não chora não mama'...e os filhos que por questões, ou diversas demandas mais clamam ou precisam de sua mãe ou seus pais, tem por consequência mais a atenção, afeto, entrega e doação deles, quando esses são pais presentes, pais de verdade. Agora imagine a atenção que o filho invisível tem? Imagine quanto de tempo uma mãe ou pai dedicam àquele filho que não os demanda? Áquele filho/a que não os procura tanto, que não lhes traz questões e problemas...ouso confirmar que esses pais tendem a ser engolidos pelo filho(s) ou filha(s) que mais lhe consomem a atenção, deixando aquele que é 'o dito safo', 'bem-resolvido', independente, sereno, tranquilo, mais zen...digamos...'ah...olha como ele/a é incrível...dá conta de tudo sozinho/a'...esse filho sai perdendo na corrida ou disputa pela atenção e afeto/amor de seus pais.

E porque estou trazendo isso a tona, com 46 anos? Porque esses mesmos pais, lá na frente, querem que todos se sentem à mesa em um almoço de domingo, porque legal mesmo é todo mundo juntinho como balaio de gato. Mas a criança de ontem já não vê tanto prazer ou tanta vantagem em se submeter a momentos em que todos ficam juntos e misturados, quando na verdade o que se tem são leite e vinho a se misturarem. E já sabemos pela lei da química que esses componentes não se misturam.

Meus pais sempre acharam que eu, a dita mais safa e independente, daria conta de tudo sozinha. A mim foi dado amor sim, Afeto sim. Só que na corrida por esses colos quentinhos, usando a metáfora, eu estava no pódium em 3o lugar. O medalha de ouro - 1o lugar era e foi sempre - o meu irmão, 2o lugar - medalha de prata - minha irmã caçulinha...ouso dizer que nessa corrida às vezes rolava empate entre os dois. E a mim...o lugar cativo do 3o lugar...o Bronze.

Vivi 11 anos em outra cidade distante de tudo e de todos. De volta a 7 anos vejo que a dinâmica pouco mudou. A diferença é que a crosta protetora que tive que criar pra lidar com o senso de justiça que cada ser humano carrega em si, ou a falta dela, foi se avolumando, como as cracas que ficam no casco das tartarugas ao longo do tempo de vida delas no mar ou fora do mar.

E quando vejo a dinâmica familiar de meu esposo e sua linhagem antes desse casamento, vejo que filhos que demandam mais, tbm têm mais a atenção dos pais. Já ouvi de minha sogra uma vez a frase: Vc vai ver um dia...o filho que precisa mais é nele que nos concentramos. Algo desse gênero ouvi dela. Mas gostaria muito de perguntar a ela e isso não o fiz até hj: E o filho que não pede? E o filhoque não suplica, que não procura e não busca? Necessariamente ele não precisa? Necessariamente ele está completo? Tá tudo perfeito e bem pra ele? Será que esse filho/a não gostaria de ter um tempo de qualidade com esses pais, sem que tenha que disputar entre todos os demandantes do momento?

Se aquele que chora mama, e se aquele que não chora não mama, como fica o senso de justiça? Como fica nosso pulmão? Como fica a sede de nossa tristeza? E que mania é essa dos pais de querer todos ao mesmo tempo juntos em um mesmo recinto a almoçar ou jantar, quando nem sempre dá, quando nem sempre é possível, quando cada um cresceu, seguiu sua vida e tem sua forma de encarar a vida e as coisas da vida?


Quando, como mãe, vejo Gabriel e João, e os vejo convivendo, sendo amigos e companheiros, mas tbm soltando as farpas de suas diferenças, percebo que não sei se serão unidos e amigos e companheiros quando adultos, ou se cada um seguirá pra um canto em suas vidas. Que companheiras escolherão pra suas vidas, se estarão no Brasil ou morando fora, se ligarão um pro outro no dia de seus aniversários. Uma coisa eu sei. Não serei o tipo de mãe que quer todos no mesmo recinto a comer a mesa porque a família 'tem que ser unida'. União tem mais a ver com ligação, conexão, primeiramente dentro de cada um, consigo mesmo, para depois se dar com qq ser vivo. Vou preferir ter um tempo de qualidade com cada um deles, se Deus me permitir chegar até lá! Quero curti-los e percebe-los em suas características individuais. Não os quero apenas vê-los misturados em um caldeirão que eu idealizei. Prefiro saborear cada ingrediente de meu caldeirão naquilo que cada um tem de mais único.

Gabriel tem pleitos de que eu prefiro o João à ele. João tem pleitos de que o irmão não o ama. Tudo sabemos que são as nossas inseguranças que transitam na mente e nos corações. Os amo particular e individualmente de um modo único cada um deles. Não se coloca amor em balança pra ver quanto pesa. Mas reconheço que as demandas de Gabriel tendem a me consumir mais do que as de João. E não quero chegar lá na frente e ver que eu poderia ter equilibrado melhor esses pratos da balança, de meu senso de justiça. E sempre me observo, me vigio. Mas sei que como filha não aconteceu isso comigo. Tive o que deu pra ter de meus pais. Foi bom. Foi maravilhosos na verdade! Mas acho que não 'chorei e esperniei...o suficiente...não fiz tanto barulho assim...nem dei trabalho o suficiente pra sustentar mais atenção e afeto de minha mãe ou meu pai'.

E hoje em dia me recuso a estar nesse papel de mãe de meus irmãos ou 'esposa' de meu pai. Deles sou irmã e filha. Minha mãe vive em mim, nas memórias doces e nas amargas tbm. Foco meu senso de justiça nesses dois garotos de 13 e 8 anos e em tudo que posso fazer pra não cobrar deles, mais do que eles podem sustentar, dar, e entregar. Uma coisa é certa...quando grandes quero estar com meu amor e companheiro-marido...e terei um mantra bom na mente e no coração:


Como filha só tenho a dizer: 'Sem pressões ou cobranças, quando dá pra estar junto...que bom. Quando não dá pra estar juntos, uhuuu...tô vivendo!"


Como mãe: Filho apareceu, que bom! Não apareceu,..que bom tbm! Deixa eu fazer uma coisa bacana que alimenta a minha alma!!!!!!







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