
Um simples vídeo de um pedreiro fazendo manutenção na casa onde viveu meu pai, serviu de gatilho para uma choradeira 'sem fim'. A ficha caiu de que eu não estaria passando mais naquele lugar para ver meu pai, para pedir sua benção e para ouvir sua voz gostosa e algum conselho. No vídeo parecia eu adentrando a casa dele...o pedreiro coitado jamais imaginaria que seu vídeo mostrando como a pintura estava linda para a locação do imóvel, causaria esse estrago.
Quando caminho fico fascinada com as árvores. Elas me fascinam. Em todos os ângulos e aspectos possíveis. Como pode um ser vivo, conter raízes, tronco, galhos, folhas e de quebra ao longo das estações nos dar perfumadas flores e saborosos frutos - no caso das árvores frutíferas. Não sendo suficiente, elas nos dão oxigênio necessário para a nossa respiração e sobrevivênica. Nos dão sombra com suas copas frondosas e generosas.
Tem um livro estupendo - chamado A Vida Secreta das Árvores - que fala que elas têm sentimentos, conversam entre si, se ajudam, são uma comunidade. Caminhar e contemplar cada uma delas com sua particularidade, me traz uma paz muito grande, só comparada à paz de estar meditando, 10 minutinhos que sejam quando consigo. E me traz a consciência do que eu não sou. Eu não sou a raiva de não ter meus pais mais aqui comigo, eu não sou a tristeza que me invade quando lembro da voz de cada um deles, eu não sou o medo de perder mais alguém que eu amo. Eu não sou essa preocupação quanto ao vir a ser. Eu não sou.
Essas são emoções que podem me compor, em certa paleta de cores, como em um quadro, mas essas emoções não me definem...assim como cada paleta de cores não define o quadro todo. Ver as árvores, e ter passado por uma semana complicada a partir do gatilho do 'vídeo do tour pela casa de meu pai', fortalecem a caminhada de continuar, sabendo o que eu sou. E eu sou doce, meiga, sou uma pessoa que não consegue dar tocos em outras pessoas, pois esse padrão não me constitui. Eu sou sensível a pessoas, suas auras e ambientes. Sou sensível a ponto de saber da dor do outro e sentí-la como minha própria. O que é bemmmm complicado, pois dependendo do desabafo de um amigo ou amiga eu fico sim...pensando naquela pessoa por muito tempo depois.
O emaranhado dos galhos de uma mesma árvore se interconectam, e esta árvore, com toda a grande floresta. A dor do outro me atravessa. Fico a pensar soluções, alternativas, caminhos para aquela dor do outro. Mas não adianta. Em terapia, por mais de 20 anos, eu exercito ter compaixão, mas não aumentar a dor do mundo sofrendo junto com quem quer que seja.

Eu sou assim. E sei que sou maior do que eu era antes e estou melhor do que eu era ontem, como diz Bituca e Dani Black na linda música Eu Maior.
A gente não é o emaranhado dos galhos. A gente é a árvore toda, em toda a sua plenitude, com raízes fortes daqueles que passaram pela terra antes de nossa chegada e que nos deixaram o legado de nossas Famílias. Muitos estiveram por aqui antes de chegarmos a este mundo. E imagine quantos ainda virão depois que virarmos adubo. Somos filhos do mistério e do silêncio. Com certeza!
Somos mais ainda. A copa, as flores e seus perfumes - ah...que cheiroooo...quantos perfumes...somos fragrâncias tão diferentes e tão diversas, em nossa humanidade...e mais ainda do que as flores somos cores, formas singulares como seres humanos.
Somos os frutos. Todos têm seus frutos e não estou aqui me referindo apenas às pessoas que têm ou tiveram filhos. Me refiro a tudo aquilo no qual colocamos nossas mãos, nossa energia e nossos corações...nossos espíritos. Pois muitos gestam sonhos, amores, projetos, trabalhos, viagens, rotas, mudanças, lares, desafios. Gestar é a própria natureza de Gaia, Mãe Terra. E a nossa também.
"Onde estão nossas mãos está nossa energia. E onde está nossa energia está o nosso coração", Mestre Liu Pai Lin.
Todos nós sabemos o que somos e o que não somos. Todos sabemos nossas potências e nossas fragilidades. E se não sabemos, em algum momento a vida nos convida a olhar pra tudo isso... nossas raízes, fazer as pazes com tudo aquilo que não foi legal, mas que aconteceu em nossa trajetória, e a seguir potencializando o que sabemos que é bom, que é verdadeiro e que renderá muito ainda pela frente por conter o ingrediente secreto: nossa Humanidade.
As flores, gramíneas, musgos, orquídeas, bromélias, insistem em colorir os troncos de árvores. Assim chamo os amigos, os encontros, os presentes que colorem nossas trajetórias de vida. Pelas minhas caminhadas saio batendo foto desses troncos, como que numa busca incessante de tentar capturar o incapturável. A vida.
O TAO ou Energia Primordial Criadora da Vida (conhecida como Deus), não para, em sua incessante pulsação. E nós - seres humanos - somos parte dessa dança da vida. As dores, são como os bichinhos que buscam as árvores para se alimentar. As tais pragas. As dores físicas, as dores da alma, as dores espirituais. Mas não somos essas dores. Assim como uma linda árvore não se resume às pragas que a visitam e dela se alimentam.
Daí precisarmos sempre uns dos outros, num bate-papo informal, num chá ou café despretencioso, numa palavra amiga. Em nossa humanidade não podemos nem devemos nos afastar, nos perder de nós mesmos. Achar que não somos importantes, que não fazemos falta. Porque sabemos que somos sim importantes, somos cada um, uma bela árvore nessa imensa Floresta da Vida.
Essa busca do humano, por simplesmente querer saber, ler, estudar, criar, rezar, fazer música, arte, gerar cultura...tudo isso é o pulsar verdadeiro da vida. Não tem tela que consiga ser isso. Não tem Inteligência Artifical que seja isso: Humano na humanidade.
Depois de 68 dias da partida de meu pai, voltei ao mar. Entrei no mar. Estava nadando mais regularmente com a turma do Bob Mar Águas Abertas, mas ando faltosa. Processo complexo esse de seguir como se nada tivesse acontecido. A gente sabe que perdeu alguém amado, e que tem que seguir. O desafio é até quando recolher, sentir e sofrer. E a partir de quando seguir, sorrir, e cultivar a sua felicidade interior, apesar de tudo o que aconteceu.
Sempre nado de costas no mar...e ao nadar costas sempre olho para o céu. Ontem foi o dia em que ao nadar de costas, me dei conta que antes nadava de costas e conversava com minha mãe - apenas ela havia partido - e sempre em pensamento dizia: 'E aí mãe, tá tudo bem por aí?' me referindo àquele céu de azul imenso e belo. Ontem me dei conta de que não tem apenas mamãe lá agora, mas também meu pai. Me dei conta de que se passarm muitos dias que não havia feito esse gesto, e cumprimentado agora eles, no plural, não mais somente ela: "E aí mãe...e aí pai! Como andam as coisas aí em cima? Tudo bem?"
Espero verdadeiramente que sim.
Por aqui, tudo segue o caminho.
O caminho do TAO.
O caminho de Deus!
E fui nos livros clássicos ver o que o número 68 tinha para me dizer:
Capítulo 68, do Tao The King
O bom guerreiro é aquele que não é agressivo;
a boa batalha é aquela que não é colérica;
a boa vitória é aquela da qual não se participa;
o bom emprego dos homens é aquele no qual torna-se inferior a eles.
Isso se chama virtude da não-disputa;
isso se chama habilidade de empregar os homens;
isso se chama unir as extremidades do céu ancestral.
Meus pais sempre foram seres humanos pacíficos, buscavam sempre o diálogo, fugiam de discussões e desgastes, e muitas e muitas vezes por tamanha humildade que possuíam se colocavam em último lugar, ou até inferiores. Não disputavam nada nem ninguém...nem mesmo os filhos. Com isso creio que se uniram ao céu.
6+8=14
Hexagrama 14, do Livro I ching
Todas as coisas vêm àquele que é modesto e gentil, ao ocupar uma posição elevada.
Deduzo que meus pais, como seres humanos modestos e gentis que eram, estão nesse momento em uma posição bem elevada onde quer que estejam, no Alto.

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