
Sempre que eu nado, e consigo ver o fundo do mar, com a areia, o cenário sempre me lembra o de um deserto. Não sei porque, mas as ondas feitas de areia, num encadeamento perfeito, movidas pelas ondas do mar, me fazem lembrar o mesmo efeito que o vento traz em uma paisagem de deserto. Várias ondas lindas. Ora movimentadas pelas ondas do mar, ora removidas pela força do vento.

O deserto passa pra gente exatamente aquilo que ele nos atravessa: aridez, secura, calor extremo, dificuldade de se manter vivo. E mesmo assim, com tanta vida ali. O mar já me transmite abundância, de peixes, espécies, corais, enfim...
Tenho faltado muito as aulas de natação no mar, com a turma do @equipebobmar. Desde o falecimento de meu pai tentar colocar todas as coisas no lugar não tem sido fácil. Nada fácil.
Finados passou e não foi o fim do mundo. Não chorei. Não ter chorado não significa que eu não tenha sentido. Mas caminhei, me nutri do TAO na natureza, pratiquei Qi Gong e Tai Chi Chuan. Foi um dia de conexão com o Algo Maior que existe na Natureza.

A cena do fundo do mar não sai da minha cabeça, talvez porque eu mesma esteja vivendo um deserto de certa forma. Ser inventariante de pais falecidos ensina coisas que a gente nunca imaginou que poderia suportar aprender. Aprender a consertar coisas deixadas por pessoas que não estão mais aqui, e que por conta do mundo cartorial e jurídico, temos que 'corrigir', para seguir adiante.
Cada dia um passo. Cada passo uma nova fase. Até fechar o ciclo completo de inventários concluídos.
Absurdo ter que lidar com isso, ter que buscar resiliência, ter que encontrar o tempo certo para cuidar de mim, porque do contrário, caio. Desisto. As práticas taoistas corporais chinesas estão sendo praticadas - antes com intervalos grandes entre um dia e outro. Mas depois fui aprumando o passo e consegui trazer uma prática mais pertinho da outra...de modo que posso um dia chegar à tão sonhada PRÁTICA DIÁRIA.
O sono, que ora normalizava ora bagunçava, começou com a entrar numa nova fase. Praticando mais, o espírito serena, o coração acalma e o sono natural sem remédios chega.
No peito uma pergunta. Até quando temos que estar em um lugar? Até quando fica bom permanecer, não apenas para todos ao seu redor, mas fundamentalmente para você?
Convites aparecem, ideias e possibilidades de mudança surgem, e o deserto de outrora pode se revelar um pequeno oásis.
A minha relação com o trabalho sempre foi de messe, missão. Tive recentemente um quadro de Lesão por Esforço Repetitivo (LER) no braço direito. E escrevo esse texto após a recuperação do braço, em 90% da dor. Caminhando para ficar 100%.
As construções dos últimos 8 anos, depois de desaterrar e de me re-adubar de novas possibilidades, enchem meu coração de orgulho, prazer e satisfação. Poder ir mais longe e poder fazer outras coisas, também traz aquele comichão...o ego balança. A gente sabe que sempre pode mais,,,a questão é: será que a gente quer mesmo 'esse mais'? Ou é tudo uma grande ilusão, no final das contas?
Ilusão como a de pessoas que, caminhando em pleno deserto, juram ter visto um oásis e água.

Permanecer e seguir, Mudar e desapegar. Caminhos. O deserto me traz a sensação de que algo é duro, para depois vir a leveza. O clima, as condições...tudo...se revela outra coisa quando o sol nasce ou se põe. Quando os animais aparecem ou se recolhem, mesmo no calor intenso, seguindo o fluxo natural de suas vidas. Tudo vira beleza única.
No penúltimo encontro de Maria Lucia Lee DAO DAS ARTES, ela fala exatamente do pesado e do leve. Tem coisas que pesam na vida da gente, a começar pelo nosso próprio corpo e a gravidade que atua sobre nós. Que a parte da cintura pra baixo é pesada, e a parte do corpo da cintura pra cima seria, em tese, para a sentirmos mais leve.
A cabeça seria o cume dessa leveza, mas normalmente não é.
Porque deixamos pesar tantas questões sobre nossas cabeças? A gente inverte deixando nossas cabeças cheias demais, de pensamentos e preocupações, o que faz com que não acessemos o céu mais serenamente, mais tranquilamente.
Permanecer ou ir, atender o chamado do coração e cuidar do apego que amordaça, prende e não nos deixa livres para crescer em outros níveis, não apenas terrenos. Eu quero e mereço ser feliz em qualquer lugar onde eu esteja. O deserto em mim, sabe que existe um oásis em mim.
Escolher menos acaba sendo mais. O simples ao complexo. O dentro ao fora. O equilíbrio à agitação. O ego trabalha para nos enlaçar na teia e novela dessa vida, com tudo de bom e ruim que ela tem. Cabe a nós exercitar dar dois passinhos para trás, observar esses 'quereres' e decidir pelo que simplifica, mas amplia muito mais nossa percepção de tudo o que está à nossa volta.
Uma amiga me disse: geralmente quando a gente decide o que quer, o coração alivia.
Eu decidi permanecer no meu oásis, e não me perder no amplo de infinitos e fugazes 'quereres'.
E que a água venha em abundância, cristalina e mate a minha sede de habitar em mim mesma.
Lagum
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