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  • Foto do escritorSandra Tavares

Afinados

Atualizado: 30 de nov. de 2022


Até que aconteça com você é apenas um dia comum...um feriado como qualquer outro. O nome certo é Finados. Mas depois de vivenciar o primeiro depois que perdi minha mãe para a Pátria Espiritual, como diz Dr Sérgio Felipe de Oliveira, preferi trocar o dia de Finados pelo dia dos Afinados...sim. Pois todos aqueles parentes daquela pessoa que partiu tem que experimentar, a partir de uma dor que não se pode mensurar, medir nem pesar, um outro tom mais purificado de sua própria continuidade na jornada.

O dia não teve nada de fácil. A madrugada já se iniciou em claro, pois a exatos 1 ano lá estava eu levando ela, minha mãe, para um pronto socorro após uma cirurgia da válvula mitral do coração. Ela suava frio e sua glicemia não estava sob controle. No pronto socorro em VV ela recebeu todo o atendimento e voltei com ela para sua casa. O arrependimento de não tê-la levado para minha casa me consumiu por demais já...e hoje me consome menos. A gente sempre acha que poderia ter feito algo diferente. E que teria mudado o curso dos acontecimentos.

Bem depois desse dia a exato 1 ano...eu teria a minha mãe por mais 30 dias. Olha que loucura. Como se fosse uma cronologia meio que macabra. 30o dia, 29o dia, 28o dia, e assim sucessivamente. Então a madrugada foi de um remoer, de um orar, de um conversar com ela onde quer que ela esteja, falando da saudade imensa, falando dos problemas no trabalho, sentindo falta de tomar aquele cafezinho preto na mesa da cozinha dela...comendo uma tapioca com manteiga.

Dias antes havia ligado para o cemitério para saber como era o dia lá...e me informaram que a primeira missa era às 07h30. E perguntei sobre a lápide. Pois até aquele dia (do falecimento dela) não havia ido ao cemitério e me informaram, de forma bem diplomática, que bastava pedir a imagem da lápide pelo WhatsApp, que um dos profissionais faria a foto sem problema. Logo pensei..."meu Deus...e se o nome dela estiver errado? E se as datas de nascimento e morte estiverem erradas? Não vi isso antes..."

Pra minha surpresa a eficiência do local - Jardim da Paz na Serra-ES - foi extrema...e em meio a meu expediente de trabalho a tarde recebo um arquivo que não abri...pois sabia que cairia no choro ali mesmo no trabalho. Deixei para ver perto do meu esposo e das crianças...e estava tudo certo...as informações escritas corretamente. Como se a gente pudesse de repente receber uma informação do tipo "Olha não consta nenhuma lápide com o nome desta pessoa aqui"...e vc pegar o carro correndo pra casa de sua mãe e a ver ali, preparando o mesmo cafezinho que vc tanto sente saudades de tomar com ela...só com ela. Ah se fosse assim, como nos desenhos animados das crianças...ah se fosse.

Cai no choro esperado...de soluçar...e de clamar pra que nada disso tivesse acontecido, estivesse acontecendo. A madrugada foi longa...na véspera as flores compradas, as crianças escreveram cartinhas e lá fui eu...busquei meu pai e irmãos e fomos juntos entender todo esse processo pelo qual estamos passando que se chama 'O CHOQUE DA FINITUDE'...sim a gente sabe que não é eterno e que vai morrer. Mas a gente não imagina que isso chega um dia na vida da gente, bem pertinho...perto o suficiente pra não ser somente com uma pessoa que amamos, mas perto o suficiente pra ser dentro do peito da gente mesmo. E para sempre.

No final de semana que antecedeu o feriado saí com minha irmã querida e juntas conversamos, almoçamos e trocamos muita coisa juntas. Falei da lápide... e ela me disse tranquila 'Pode me enviar sim a imagem,..sem problemas quero ver'. Estar com ela é estar com um pedaço de minha mãe. Estar com meu irmão também é estar com um pedacinho dela...ambos são lindos morenos como ela. Ambos têm tanto dela que nem sei explicar.

Ao chegar ao local (Jardim da Paz, no dia 02) eu que imaginava encontrar um local mais quietinho e calmo por causa do horário cedo me surpreendi com o movimento, os carros, os vendedores de flores e até de café da manhã, com o estacionamento lotado, com tantos caminhantes atrás das lápides de seus amados...e pensei...meu Deus a dor do mundo é muito maior do que a dor que tá aqui dentro...quantos sofrem. Não diminuindo a minha dor e de meu pai e irmãos...mas sabendo que esta dor integra a dor do mundo. Não somos os únicos a sofrer essa saudade sem fim.

Para lá fomos onde ela está fisicamente, nossas honras fizemos, cada um a seu modo e da forma mais linda que se poderia fazer. Um momento único de união. Preferi que meu esposo e pequenos ficassem em casa. Mas as cartas que eles escreveram, Gabriel e João, ao ler pra ela no túmulo sei que ecoaram em bom som até seus ouvidos no céu. Minha irmã disse que sentiu a presença dela. Participamos da missa das 07h30...o dia era de chuvisco...como que num batismo carinhoso sobre nós, sobre nossos erros, nossos atropelos...do não dito, não feito...do que ficou. Quis ter levado, como é comum na cultura mexicana, uma comida que me lembra ela...uma tapioca com manteiga...e ela passava a manteiga não com uma espátula ou faca, mas com o lado de trás da colher de sopa mesmo...não levei mas o que fiz foi comer pensando nela bem cedinho.

Na volta, ainda no carro, dialogando fiz a enquete...se todos os anos estaríamos ali. Percebi que meu pai sim, meu irmão sim, minha irmã sim...será que eu era a única que pensava...o não? Mais por achar que o sentido da honra se faz honrando essa ancestralidade no dia a dia. Sem deixar de respeitar profundamente quem honra em um dia do calendário católico.

O dia ainda estava por entardecer e já havia combinado com as crianças de assistirmos juntos 2 filmes que tratam da morte: "Viva a vida é uma festa" e "Festa no céu", ambos da Disney. Fizemos pipoca...e sim...precisava dar outra conotação pra o momento com eles. Mas ao ver a conclusão e desfecho do primeiro filme...chorava aos baldes...e os meninos me abraçavam, me acalentavam e me davam colo mesmo. Eles sabiam que eu precisava ver o filme com eles. E eles estavam ali pra mim, pela avó, pela dor que sentiam também de saudades dela. O momento mais lindo do filme é o do bisneto Miguel e sua bisavó Mamã Inês, cantando 'Lembre de mim'. Ele tenta fazê-la não esquecer do papai dela...que segundo a trama no mundo dos mortos estava sendo esquecido.

Segundo a cultura mexicana, no Dia de Los Muertos, quem partiu pode vir visitar quem ama. Celebra-se com comida, bolos, festa, música e doces preferidos dos que partiram. Por isso, os enfeites nas casas com flores, velas e incensos, e se preparam as comidas preferidas dos que já partiram em altares nos túmulos e nas casas. Ou seja, não tem a conotação triste, mas de festa mesmo.

O dia terminou eu sabendo que muitos Dia de Finados virão pra mim daqui pra frente. Não serão dias mais comuns de um feriado. Eu componho a egrégora dessa dor do mundo. E está tudo bem...chorar, sentir saudades...ficar em silêncio...pensando pensando e pensando. Orando, chorando e pensando. Mas eu prefiro colocar o A na frente da palavrinha Finados...deixando assim Afinados...pois me sinto mesmo mais Afinada com as coisas do Altíssimo, com esse Céu que dá e leva...desse Deus que é como um Maestro que rege essa big orquestra chamada vida.

Nesse dia, claro, não pude deixar de ouvir Clara Nunes e seus sambas que minha mãe tanto curtia quando eu era pequenina e a ouvia cantar pela casa...assim metamorfoseio essa parte da dor do mundo que é A MINHA DOR.

Balcão de um restaurante de praia em Cumuruxatiba-BA pouco tempo depois de perdê-la...e a sincronicidade.


O mar serenou

Canção de Clara Nunes


O mar serenou quando ela pisou na areia

Quem samba na beira do mar é sereia

O pescador não tem medo

É segredo se volta ou se fica no fundo do mar

Ao ver a morena bonita sambando

Se explica que não vai pescar

Deixa o mar serenar

O mar serenou quando ela pisou na areia

Quem samba na beira do mar é sereia

A lua brilhava vaidosa

De si orgulhosa e prosa com que deus lhe deu

Ao ver a morena sambando

Foi se acabrunhando então adormeceu o sol apareceu

O mar serenou quando ela pisou na areia

Quem samba na beira do mar é sereia

Um frio danado que vinha

Do lado gelado que o povo até se intimidou

Morena aceitou o desafio Sambou

E o frio sentiu seu calor e o samba se esquentou

O mar serenou quando ela pisou na areia

Quem samba na beira do mar é sereia

A estrela que estava escondida

Sentiu-se atraída depois então apareceu

Mas ficou tão enternecida Indagou

A si mesma a estrela afinal será ela ou sou eu

O mar serenou quando ela pisou na areia

Quem samba na beira do mar é sereia


Fonte: LyricFind

Compositores: Antonio Candeia Filho

Letra de O mar serenou © Universal Music Publishing Group

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