
Amar significa colocar-se a serviço. Podemos interpretar essa frase apenas sob o prisma do amor de alguém por uma causa, de pessoas que ajudam outras tantas em algum lugar do planeta. Mas essa mesma frase se aplica a um casal. A um casamento.
Passados 20 anos resolvemos eu e meu esposo, a quem chamo de More, fazer um investimento. Uma primeira viagem longa, sem os filhos, hj com 14 e 10 anos. E isso só foi possível graças a meus sogros lindos, que são como pais pra mim. E claro, pais de fato de meu esposo.
Os dias foram de conexão. Não que estivéssemos desconectados. Mas algo existe no dia a dia de um casal que consome, desgasta, corrói. O dia a dia. A roupa pra lavar, pendurar, guardar e passar. A comida a ser feita diariamente para famintos filhos à espera. O supermercado sempre que tudo acaba dentro de casa. As contas mensais a serem pagas. As consultas médicas, sejam nossas e dos filhos. Existe um redemoinho no dia a dia, que nos suga, a todos nós. Não tem exceção. Talvez tenham alguns mais privilegiados, que terceirizam algumas dessas tarefas. Mas no geral, todos pegam no pesado, desse dia a dia.
Uma semana de viagem parecia - antes da partida - uma eternidade sem a matemática do número 4. Pai, Mãe, filho mais velho e filho caçula. Mas avião aterriçado, a gente relembra rapidinho como era quando éramos apenas dois. Dois seres humanos aprendendo a amar. Dois seres humanos rindo um do outro. Dois seres humanos que viram um pouco como que crianças de novo. Porque amar envolve resgatar algo em nós mais original, mais puro, e menos mental, lógico, racional, adulto, um tanto quanto chato.
O destino, uau, foi escolhido a dedo, para esse tempo de maior conexão: Fernando de Noronha-PE. Planejado com antecedência. E ao chegar ao local algumas vivências saltaram aos olhos, para além claro do tempo a dois, e somente a dois. Por onde sentávamos para comer algo, batia um papo descontaído com algum jovem que nos atendia. E quando dizia: estamos aqui celebrando 20 anos de casados, era intrigante o que ouvia.
Não alardeava a data especial só para receber um parabéns desconhecido, ou algum desconto. Queria mesmo ver o que falariam. "Nossa, vces tem a minha idade de casados, uau", outro disse "não sei se tenho coragem de passar tanto tempo assim como a mesma pessoa". Casal de uma brasileria e um italiano "taí, passado todo esse tempo juntos, essa é uma data pra se celebrar".
Parece que passar tanto tempo com alguém, requer além do amor claro, coragem, pela fala de um dos jovens, e resiliência, pela fala do casal recém-casado. Amor, coragem e resiliência. Esse foi o caldo do limão que eu espremi, a partir do meu anúncio aos desconhecidos, e o que colhi das impressões deles. Mas porque será que o amor anda tão líquido, escorrendo entre os dedos, como diz o tal Balman?
Segundo o IBGE, em 2022, o Brasil teve 420 mil divórcios. Um aumento de 8,6% em relação a 2021. E quase metade dos divórcios foram daqueles que se separaram antes de completar 10 anos de casamento. O tempo médio de casamento no Brasil caiu de cerca de 16 para 13,8 anos.
Quando vejo cabelos grisalhos, como o de meus lindos sogros, juntos a 54 anos, entendo que existe uma receitinha. Ela é única para cada casal. Mas com ingredientes bem simples. O problema é que os tais ingredientes dessa receita, envolvem muito mais do que ir pra um fogão para um preparo qualquer. Os ingredientes requerem ser curtidos, saboreados, e vividos, no dia a dia. Aquele mesmo dia a dia das contas a pagar, da roupa pra lavar. Lembra? Esse mesmo.
Bingo. Esther Perel, especialista nos convida a refletir sobre como manter o casamento, para além das contas, filhos, planos de saúde. Sua palestra no TED O segredo do desejo em um relacionamento duradouro nos fala da imaginação e do desejo.
Para além dos pijamas gastos, dos cabelos esgrenhados, bafo e puns. Para além desse mundo ordinário. Há sim, o extraordinário, a dois. Assim como espaço para o cultivo de tudo que possa ser bom, para fazer durar. Não apenas o orgasmo. Mas para fazer durar esse tempo que para uns parece tãoooo longo...e para outros, como para mim e para More, tão curto, porque parece que foi ontem.
E sim, parece que foi ontem. O primeiro beijo. A primeira noite juntos. O nascimento de nosso bebê primogênito, que hoje é um rapaz tão iluminado, que transborda tantas coisas a partir do brilho de seu olhar. E parece que foi ontem que chegou o nosso pacotinho de amor caçula, que é puro xamego. Tudo isso e muito mais, parece que foi ontem. Ontem mesmo.
Porque o tempo, esse da música de nossa Divina Bethânia, é mesmo uma oração. Oração ao tempo. Pois quando a gente acessa a frequência da gratidão, a gente vê que tem muito mais do que pensou, sohou ou quis um dia. E o dia a dia, o das roupas pra lavar, não parece um fardo insuportável. A comida a ser preparada, passa a ser um momento gostoso, no sentido do preparo e do paladar. Estar com alguém que soma, faz a matemática do tempo não ser de 'meu Deus a quanto tempo estou nessa?", mas do 'Nossa...parece que foi ontem'.
Com minha terapeuta querida, Marieta Messina, tempos atrás trabalhamos muitas sugestões de leituras sobre o tema sexualidade, em um relacionamento duradouro. O que me trouxe um novo olhar para os casais mais maduros e velhinhos mesmo. Pois sexualidade é uma coisa. Sexo é outra. Dentro da sexualidade há infinitas possibilidades de conexão, afeto e prazer. Eu, em meu pensamento pequeno, achei que um casal de velhinhos não tivesse mais essa conexão. Quanta ignorância a minha, não é mesmo? As possibilidades são infinitas onde há imaginação e desejo. Um portal permanece aberto para aqueles que cuidam.
O paraíso de Fernando de Noronha foi o espaço-tempo de conexão. E a natureza nos mostrou a todo tempo que um relacionamento duradouro é como o TAO. Existe o nascer do sol em um casamento, assim como o pôr do sol. Existe a chuva e chuviscos que tivemos na Ilha. Existe o sol a pino. Existe a sombra. As pedras no caminho...ah as pedras. Quantas pedras atravessamos na ilha para contemplar as praias. Era subida era descida. Altos e baixos, como em qualquer casamento. E existem as flores no caminho, como em qualquer relacionamento. E as aves a voar, e a mergulhar em busca do alimento. Os atobás me encantaram em uma profundidade, que não sei colocar em palavras. Que aves! Que olhar apurado sobre a presa, o peixe!
Eles se lançam, saindo de pleno vôo, e se protejam como que umas agulhas, asas recolhidas, bico em seta e pegam a sardinha e retornam ao ar aproveitando o mais novo fluxo do vento.
Comparo essa maestria dos atobás, a essa maestria dos casais que vivem juntos um bom tempo, de saberem se amar, mas juntinho e colado, a se respeitar, a cuidar de como falam e o que falam, seja no privado, seja no público. E admiro os casais que sabem cirurgicamente, como os atobás em agulhas furando o mar, a não abandonarem o espaço de se quererem. O desejo é importantíssimo. O amor é. O respeito é. Mas o desejo, ah...ele é como o mastro da orquestra. Sem maestro, cada instrumento começa a ser tocado em um ritmo diferente.
Na Ilha constatei o mundo Instagramável em que vivemos, com muitos visitantes em poses, e fotos tiradas de lugares, apenas para o 'vejam onde eu estou'. O império de corpos desenhados com lipos, rostos e lábios com o famoso preenchimento (botox). E closes/looks.
Já vi relacionamentos de casais cujas férias eram em paraísos como Noronha, ou Aspen. Mas que no dia a dia, o mesmo da roupa pra lavar, não era nada postável em redes sociais. Nunca fomos das grandes viagens, até porque elas envolvem grandes gastos. E nossas prioridades, outras. Nas pequenas viagens, que cabem no bolso, temos memórias inesquecíveis. Seja a 4, com filhos, seja a dois.
Gosto demais da Brene Brown, que em seu TED O poder da vulnerabilidade, nos fala da coragem de ser imperfeito. Vivemos no império de sermos magros, lindos, sem rugas, etc. Ela nos fala em vulnerabilidade. Amar é se entregar, é se abrir para o outro, é se mostrar, se revelar. Não apenas o corpo, mas como somos de verdade. Talvez seja por isso que a estatística de relacionamentos longos esteja diminuindo.
A outra pessoa nos verá em momentos de crise, de dor, vulneráveis, frágeis, tristes, sofridos, raivosos, amargurados, depressivos, ansiosos. Ou seja, plenamente vulneráveis e imperfeitos. E aquela pessoa que amamos escolhe, entre todas do planeta, permanecer com a gente. Porque nos ama. E nos deseja. Isso não tem preço. Não tem ouro e mega-sena que paguem.
O meu amor - More - esteve comigo em minhar perdas, minhas dores. E sempre esteve por perto, apenas me amando e me cuidando, com esse amor. Na Ilha de Noronha eu disse a ele: "a sua companhia é muito boa", o que ouvi "a sua também". Quase diariamente dizemos a frase classuda 'amo vc'. Mas a companhia um do outro, falar e ouvir essa frase, é igualmente importante.
Pois falam que devemos nos casar com a pessoa com a qual quereremos conversar e conviver pelo resto da vida. E somos uma boa companhia um para o outro. Acho que estamos indo bem e melhorando e evoluindo, em cada uma das tais linguagens do amor*.
E que venham mais algumas vintenas à diante!
*As tais linguagens do amor são: palavras de afirmação; tempo de qualidade; dar presentes; atos de serviço; e toque físico (Gary Chapman).
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