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  • Foto do escritorSandra Tavares

365 dias sem meu sol (e a invisibilidade)

Atualizado: 3 de dez. de 2022


Você já teve a sensação de uma invisibilidade? De, em certo momento ou circunstância de sua vida, ser um pouco não visto, não percebido? Geralmente quando não somos percebidos, reconhecidos pelo que somos, naquilo que fazemos ou por aquilo a que nos dedicamos, vem um certo grau de frustração. Uma dose de raiva/cólera. Para uns maior. Para outros menor. Raros são os seres humanos que não queiram ser reconhecidos naquilo que se propõem a fazer de melhor, de mais genuíno, digamos com o coração.

Passei por uma experiência assim recentemente. Recolhi-me...e aproximando-se a data dos 365 dias sem o meu sol - minha mãe - percebo o quanto lidamos muito mal com a invisibilidade. Seja a nossa própria, seja a de quem amamos e que, por uma conjuntura chamada passagem/morte/desencarne, não temos mais acesso com nossos olhos físicos. A gente não lida bem com o 'não ver e não ser visto'. Na verdade chego a afirmar que precisamos - carecemos - ser vistos. Assim como precisamos ver. Ver para crer, como dizem trechos bíblicos.

365. 365 dias amanhã (02.12.22). 1 ano. Uma primavera. Se fosse de um nascimento de uma criança estaríamos todos em festa e este texto explodindo em contentamento. Como é o rito de 365 dias de uma passagem, e exatamente porque não posso mais vê-la, senti-la, abraçá-la Exatamente porque não posso mais ouvir sua voz gostosa...comer como diz meu irmão 'o seu tempero'...dói. Dói e dói de um jeito que podemos ler, estudar, rezar, caminhar, fazer origami, yoga ou taichi, podemos qualquer coisa, mas a dor ali está. Como um passageiro que pega o trem e não o deixará em nenhuma estação. Um eterno passageiro dentro do trem. Pra sempre.

Chego ao estágio de acreditar - finalmente - que a gente aprende a conviver com a dor. E, passados 365 dias, a dor não comanda mais. Ela está aqui, ela me integra, ela me compõe, ela faz parte de mim. Ela não deixará a estação do meu viver mais. Será passageira cativa. Mas tudo bem. Tudo compõe.

Gosto de escrever frases malucas que me vem à mente numa lousa pequenina e deixo a lousa encostada em algum canto aqui em casa. Pra eu ler primeiramente, e de quebra meus filhos, marido, a faxineira...quem aparecer. E coloquei, intuitivamente: ACEITA. DÓI MENOS. A frase até ficou conhecida por causa das eleições...e de quem perdeu em relação a quem ganhou...

Mas o que é aceitar? O que aceitar tem a ver com o Taiji, com as práticas corporais que trabalham a nossa energia? Aceitar é estar. Estar do jeito que se é. Seria a tal da 'não ação' de que tanto fala o taoismo? Seria esse tal de fluir...? Aceitar envolve um fluir tal que podemos nos permitir abandonar a dor. Porque a dor em si tem sempre a ver com uma necessidade...como aquela de ser visto...de não ser invisível...e com a necessidade de ver. A dor é apego. É necessidade.

A verdade é que a gente fica bem puto com a tal lei cósmica ou cármica, que faz com que as coisas sejam como elas são. A gente quer diferente. A gente quer sempre outra coisa. Raramente se quer exatamente o que é...o que existe...o que tá posto e dado pelo universo. A gente passa por muitas fases no luto...de não acreditar no que tá acontecendo a querer achar um culpado para aquilo tudo. Mas, como diz Betânia...'és um senhor tão bonito...quanto a cara do meu filho...tempo, tempo, tempo tempo...'

Tempo meu caro tempo. Ok. Entendi. Ela se foi e não vou vê-la mais com esses olhos tortos que tenho. A minha mãe. A mulher que me pariu. O meu sol que tanto me aquecia. Ok. Entendido. Já chorei. Já ouvi músicas que me remetam a ela. Já sorri lembrando de passagens. Ela era luz pura. Linda linda linda. Pessoa linda! De uma simplicidade deslumbrante.

Até em sua passagem ela me ensina. Que podemos conviver com essa tal invisibilidade. A nossa própria, em algum momento da vida pessoal ou profissional, e com a de quem amamos tanto e que nos deixa para integrar outra comunidade - agora espiritual. Preciso invisibilizar esses tantos quereres...desejos...necessidades existenciais.

Dizem os estudiosos das línguas que a 'saudade' é uma palavrinha só nossa, catalogada apenas como portuguesa. Não se encontram outras por aí em outras línguas. E dentro dessa palavra curta cabem inúmeras saudades, não é mesmo? As de cada ser humano em diferentes momentos de suas vidas. Infinitas.



E nessa 'toada' da saudade, enumero algumas frases que ela falava, Para que continue ecoando...ecoando...ecoando:

Pelo amor de Deus...hein...quando eu morrer não quero que ninguém fique chorando. (se o assunto morte aparecesse na conversa);
Ah pode parar com isso hein...eu hein menina...levanta esse astral, pode parar com isso. (se eu aparecesse meio borocochô para vê-la);
Tenha paciência com os bichim. (se referindo aos netos);
Já foi ver o seu pai? Se não foi...faz um favor e vai lá ver ele, pois ele é um ótimo pai (se eu passasse para vê-la tinha que ir ver meu pai que morava próximo a ela);
Se tem uma coisa que eu amo é ficar comigo mesma...esse negócio de ficar sozinha e ficar triste não é comigo não (sobre solidão/solitude);
Minha filha a gente tem que ajudar quem precisa. Seja um dízimo, uma cesta básica, qualquer coisa. Temos muito. (sobre partilha);
Nossa...mas aquela(e)....(comida)...estava uma delícia (ela amava elogiar as coisas que comia feitas por outras pessoas) e se ela era a cozinheira falava 'Modéstia parte aquela(e)...(comida)...que eu fiz estava uma delícia...' (sobre comidas)
Eu me considero uma pessoa feliz. Tenho filhos maravilhosos, netos maravilhosos, um genro e nora maravilhosos, um ex esposo que é meu amigo...o que mais eu posso querer? (sobre o que era importante pra ela)
Ensine essas crianças a rezar...eles sabem o pai nosso? a oração do anjo de guarda? (sobre espiritualidade)
Deixa de ser besta menina...se eu fosse vc eu não ficava assim não. Faz o favor de não deixar ninguém montar em vc (se reclamasse sobre trabalho e as relações de poder)
Valorize-se. Se vc não se valorizar quem vai?
Lá vem vc com esses batons cor de boca...põe uma cor nessa boca menina.
Vc ficou tão bonita mais fortinha. Prefiro vc assim do que magra demais. (se eu ganhasse peso...kkkkk)
Para de arrumar essa casa menina. Larga isso e vai descansar. Casa tem todo santo dia. (se ficasse arrumando/faxinando);
Cuide de seu esposo. Dê atenção a ele. Ele e um homem maravilhoso.
Cuide de sua sogra pois ela é uma mãe pra você.
Eu adoro a minha amiga Tico. Essa é uma irmã de alma mesmo (sobre a amiga-irmã);
Liguei só pra saber dos meninos...eles estão bem? Mas o João é fofo né minha filha? Ele tem cada tirada...e Gabriel? que já tá um rapaz...minha nossa (telefonemas simples e profundos).
Já agradeceu hj minha filha? O dia está tão bonito...e essa chuvinha gostosa...nossa só dá vontade de ficar debaixo das cobertas...(sobre um dia qualquer...fosse de sol ou de chuva);
Se Deus me tirar tenho consciência do dever cumprido minha filha, pois vc tem sua família, e seus irmãos tbm cada um tem sua profissão. (na maca antes de fazer a cirurgia).
Eu é que não quero ficar dando trabalho pra filho. Quando eu ficar velha...pelo amor de Deus hein...me põe num asilo (sobre envelhecimento)

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